quarta-feira, 3 de outubro de 2012

EGOLATRIA: A IDOLATRIA DO EGO

 

EGOLATRIA: A IDOLATRIA DO EGO
Desde os dias neotestamentários que o cristianismo precisou definir sua identidade teológica, eclesiológica e missiológica para além da cultura. Isso significa que a igreja do primeiro século se recusou a ser um subproduto da cultura judaica, da filosofia grega, do paganismo que impregnava todos os setores da vida e das forças políticas e econômicas da Roma imperialista. O livro de Atos bem como os escritos apostólicos nos mostra quão árdua foi a batalha travada contra os sinédrios dos escribas e fariseus que desejavam silenciar os arautos do Senhor. A defesa de Cristo contra as heresias gnósticas e a autonomia da fé cristã sobre os poderes de César, são evidências de que o cristianismo transcendia a cultura do seu tempo. A história da igreja também nos oferece ricos registros de como, nos mais diferentes períodos, foi preciso que verdadeiros militantes e mártires da fé se recusassem a tomar para si a forma do século vigente (Rm 12.1-2). A época dos concílios, a reforma protestante e a batalha contra o racionalismo iluminista servem como inspiração para a igreja contemporânea. A verdade é que cada época se apresenta com seus próprios desafios. Cada século apresenta sua filosofia dominante que tenta se impor sobre a igreja, desconstruindo seus valores éticos, relativizando seus fundamentos teológicos e deslegitimando sua missão. Assim sendo, o que se espera da igreja é uma atitude de discernimento e ao mesmo tempo de firme posicionamento. Nos últimos tempos emergiu, entre nós evangélicos, uma prática mais centrada no amor ao poder do que no poder do amor. Há uma ênfase exagerada no poder dos métodos, símbolos sagrados, unção do líder personalista, o poder da fé miraculosa, o poder das palavras decretatórias e declaratórias, o poder do dízimo, dentre tantas outras fórmulas de poder, que indicam a urgente necessidade de se resgatar a essência do verdadeiro cristianismo bíblico. É fácil de constatar os males que essa síndrome de poder tem produzido no meio da igreja. Uma geração de líderes tem emergido mais desejosa de ser servida do que em servir. Gente que perdeu o pudor e que tem se utilizado da igreja de Deus com fins usurpadores. São pessoas megalomaníacas que se utilizam da lógica desse mundo para construir seus reinos, legitimando-se em nome de Deus, ao mesmo tempo em que revelam desconhecer o Deus da Bíblia. Não por acaso, os cismos acontecem a toda hora. A igreja de Cristo está fragmentada. Para manter ou conquistar o poder desejado, a unidade da igreja é sacrificada, a competição se torna desenfreada e nos balcões da fé religiosa, vale qualquer coisa para fazer seu negócio prosperar. Qual a origem e natureza dessa crise? Como devemos discernir e nos posicionarmos diante da cultura atual? A cultura pós-modernista com seu humanismo hedonista, pragmático, utilitarista, materialista e consumista pode ser apontada como a causa de todos os males que a igreja enfrenta. Porém, é importante lembrar que essa cultura é apenas um subproduto fabricado no coração do homem. Em sua condição de pecado, o homem torna-se absolutamente incapaz de amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. O que por si só, desemboca nos desequilíbrios mais horrendos. O mal inusitado é constatarmos a tendência de uma igreja que em vez de se posicionar contra essa cultura, procura absorvê-la em forma de espiritualidade. É muito comum encontrarmos cantores e pregadores gospels evocando uma espiritualidade que contradiz os princípios cristãos. Se na idade média o mundanismo adentrou a igreja através da religiosidade pagã, em nossos dias o mundanismo tem se apropriado da igreja através de um modelo de “espiritualidade” humanista e extremamente nocivo à fé cristã. Muitos líderes evocam seu sucesso, suposta autoridade e experiências espetaculares para deturpar as Escrituras diante de uma geração analfabeta de conhecimento bíblico-doutrinário. É daí então que nascem as falsas teologias fundamentadas em interpretações hermenêuticas alegóricas, caracterizadas pela desonestidade intelectual e espiritual dos seus mentores. Nesse aspecto, é possível que nenhum outro ataque contra a sã doutrina tenha sido tão sorrateiro e sutil quanto a influência do chamado evangelho da prosperidade ou terapêutico. Sua lógica discursiva tem promovido uma mentalidade mais mundana do que cristã, tem roubado a glória de Deus, tem deturpado as aspirações dos vocacionados, tem comprometido a missão, impedido a comunhão e adoecido a igreja, como bem observa o pastor e escritor Mark Driscoll ao apontar cinco razões porque o evangelho da auto-realização é um inimigo da missão:
Primeiro, ele não me convoca a amar a Deus e ao meu próximo, mas apenas a amar a mim mesmo. Segundo, ele não me chama para missão de Deus, mas chama Deus para a minha missão. Terceiro, ele não me chama para ser parte da igreja servindo na missão de Deus, mas para usar a igreja para me tornar uma pessoa melhor. Quarto, ele não me chama a usar meu dom ou dons espirituais para edificar a igreja, mas para realizar meu potencial pleno. Quinto, ele pega o orgulho, que Santo Agostinho chama de mãe de todos os pecados, e o reapresenta como autoestima, a serva de todas as virtudes”.
O que temos por trás dessa cultura é o que denominamos de egolatria ou simplesmente de idolatria do ego. O homem do nosso tempo é um ególatra, na medida em que se apresenta como “a medida de todas as coisas”. Na idolatria do ego, o eu passa ser o ídolo do próprio homem. Nada de amor ao próximo, nada de Deus ou de deuses. Quando alguma divindade é invocada, a motivação é utilitarista, egoísta, e, portanto ególatra. Os sinais da egolatria podem ser vistos em toda parte. As pessoas estão cada vez mais ansiosas em concretizar seus projetos individualistas, mesmo que para isso o próximo seja ignorado e valores eternos sejam relativizados. Vontades e desejos são absolutizados, a fim de contemplar e satisfazer suas demandas de prazeres. Ostentar poder e sucesso é para os ególatras o fim último da própria vida. Precisamos urgentemente reafirmar a validade dos mandamentos bíblicos, como eficazes para transformação dessa cultura ególatra. Jesus nos ensinou que quem ama a Deus sobre tudo e acima de tudo, e ao próximo como a si mesmo, cumpre toda a Lei. Só o amor a Deus nos livrará da idolatria, e só o amor ao próximo nos livrará do egoísmo. Assim sendo, o amor bíblico revelado pelo Cristo de Deus não é uma opção condicionada às emoções e sentimentos de quem quer que seja. Amar é uma decisão norteada e normatizada por Deus e Seus mandamentos. Se por um lado não temos o direito de negar o amor em nome da verdade, também não podemos em defesa da verdade omitir o amor. Não raramente os que assim procedem tornam-se prepotentes, legalistas e intolerantes. A cultura brasileira é normalmente melindrosa, sentimentalista e acentuadamente emotiva. Nesse contexto temos muita dificuldade de compreender o amor como uma decisão racional que se fundamenta no mandamento de Deus. Poucas são as pessoas que confrontam ou se deixam confrontar em nome do amor (Gl 2.11). A cultura da correção e da disciplina é cada vez mais rara tanto como instrumento pedagógico de formação familiar, quanto como marca da verdadeira igreja de Cristo. Porém, à luz das Escrituras, a disciplina e a correção devem ser evidenciadas na família e na igreja, atentando para a natureza e essência do amor (Hb 12.6-11). Concluímos chamando a atenção para a urgência de resgatarmos a centralidade de Deus na teologia, na vida, no culto e na missão. Para isso precisamos entender outra vez o que significa “negar a si mesmo” (Mt 16.24), “oferecer-se a Deus” (Rm 6.13); “estar crucificado com Cristo” (Gl 2.19) ”e não ter cada um em vista o que é propriamente seu” (Fp 2.4). Se entendermos esses princípios, o “eu” haverá de ser descentralizado, a cultura ególatra deslegitimada, a igreja viverá em função do evangelho simples e a Deus tributaremos a exclusiva glória que lhe é devida. No amor de Cristo,

Pr. Aurivan Marinho

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